quarta-feira, 1 de abril de 2009

A Condição do Trabalho

"(...)Mais próximo e talvez igualmente decisivo é outro evento não menos ameaçador: o advento da automação, que dentro de algumas décadas provavelmente esvaziará as fábricas e libertará a humanidade do seu fardo mais antigo e mais natural, o fardo do trabalho e da sujeição à necessidade. Mais uma vez, trata-se de um aspecto fundamental da condição humana; mas a rebelião contra esse aspecto, o desejo de libertação das 'fadigas e penas' do trabalho é tão antigo quanto a história de que se tem registro. Por si, a isenção do trabalho não é novidade: já foi um dos mais arraigados privilégios de uma minoria. Neste segundo caso, parece que o progresso científico e as conquistas da técnica serviram apenas para a realização de algo com que todas as eras anteriores sonharam e nenhuma pôde realizar.
Mas isto é assim apenas na aparência. A era moderna trouxe consigo a glorificação teórica do trabalho, e resultou na transformação efetiva de toda a sociedade em uma sociedade operária. Assim, a realização do desejo, como sucede nos contos de fada, chega num instante em que só pode ser contraproducente. A sociedade que está para ser libertada dos grilhões do trabalho é uma sociedade de trabalhadores, uma sociedade que já não conhece aquelas outras atividades superiores e mais importantes em benefício das quais valeria a pena conquistar essa liberdade. Dentro desta sociedade, que é igualitária porque é próprio do trabalho nivelar os homens, já não existem classes nem uma aristocracia de natureza política ou espiritual da qual pudesse ressurgir a restauração das outras capacidades do homem. Até mesmo presidentes, reis e primeiros-ministros concebem seus cargos como tarefas necessárias à vida da sociedade; e, entre os intelectuais, somente alguns indivíduos isolados consideram ainda o que fazem em termos de trabalho, e não como meio de ganhar o próprio sustento. O que se nos depara, portanto, é a possibilidade de uma sociedade de trabalhadores sem trabalho, isto é, sem a única atividade que lhes resta. Certamente nada poderia ser pior."

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. pp.12,13.

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