quinta-feira, 7 de maio de 2009

Quanto vale a sua vida?

(Texto adaptado)   

     Diante dessa pergunta a maioria das pessoas responderia: "—Não tem preço!". Afinal, como é possível avaliar uma vida humana? Um indivíduo que escreveu um livro, plantou uma árvore e teve um filho, levou uma vida mais valiosa do que aquele que não fez nenhuma dessas coisas? Para uns, uma vida valiosa é uma vida virtuosa (e o próprio conceito de virtude é relativo); para outros, o valor da vida está, simplesmente, na felicidade.

     Qual é, então, o valor da vida? Impossível responder, se pensarmos em critérios subjetivos. Mas há um critério objetivo que pode ser usado: o TEMPO.

     O tempo passa da mesma forma para todas as pessoas (ao menos para todas aquelas que não tem massa corpórea de proporções estelares, nem se deslocam a velocidades próximas da luz...) e possui também um valor pecuniário — tanto possui, que o vendemos! Ao vendermos nosso tempo — nosso Tempo de Vida — alienamos uma parcela de nossa existência.

     A relação de compra e venda do tempo é o que chamamos TRABALHO.

     Alguém poderia dizer: "—Não, o trabalho não é a comercialização do tempo, mas sim a compra, por parte da empresa, da força-de-trabalho do empregado (suas habilidades técnicas, aptidões intelectuais, etc.)".

     Nada mais falso. Quem nunca teve "dias-de-cão" no trabalho? Aqueles dias em que você começa a trabalhar assim que chega na empresa, e fica até mais tarde (sem contar hora-extra), mal tendo tempo para almoçar? E aqueles dias em que não há nada para fazer, quando você resolve dar uma geral na mesa, ler e-mails antigos, ou simplesmente fazer uma visita a outra área, só para ver se o pessoal também está de bobeira?

     Da mesma forma, não há momentos em que você precisa se esforçar ao máximo para resolver uma questão no trabalho, torrar até o último neurônio para dar conta do recado, e outros momentos em que o serviço é tão simples, tão fácil, que você pensa que poderia ser substituído por um chimpanzé?

     Independentemente da variação momentânea do seu serviço, quer seja em quantidade, quer seja em complexidade, o salário não muda. Você recebe pelas oito horas de trabalho diário. Não está alugando seus braços, nem seu cérebro. Você está vendendo seu Tempo de Vida.

     E está vendendo mesmo: ele não será devolvido depois, quando você se aposentar, ou sair da empresa...

     Tomando os dados fornecidos pelo IBGE podemos criar um exemplo hipotético: a expectativa média de vida do brasileiro é de 72 (setenta e dois) anos e a renda per capita mensal é de R$ 1.030,00 (mil e trinta reais); considerando uma jornada de trabalho de quarenta horas semanais, cada trabalhador recebe R$ 5,72 (cinco reais e setenta e dois centavos) por hora; se ao invés de vender oito horas diárias de sua vida, durante trinta, trinta e cinco anos, o brasileiro médio vendesse todos os seus minutos, do nascimento até a morte, receberia o valor de R$ 3.610.189,44 (três milhões seiscentos e dez mil cento e oitenta e nove reais e quarenta e quatro centavos).

     Assim, para saber em quanto está "avaliada" a sua vida, pelo menos até o momento, e comparar seu valor com a média dos brasileiros, basta fazer algumas contas simples: calcule sua expectativa de vida através deste link  http://www.kwebbel.net/morte/ e substitua o valor na seguinte fórmula

"[Valor da Sua Vida] = [Sua Expectativa de Vida] X [Seu Salário Mensal] X [48,7]".  

     Pronto! Esse é o valor da sua vida de acordo com o seu trabalho...

     Muito pouco, não? Não importa se o resultado foi um milhão, cinco milhões ou cem milhões. É muito pouco para quem considera que a vida humana não tem preço.

     Parece-me que não há forma mais evidente de demonstrar que o trabalho não dignifica ninguém, muito pelo contrário. O trabalho reifica ("coisifica") o homem, transformando seu Tempo de Vida em uma mercadoria, vendida infinitamente mais barato do que realmente vale.

     Houve uma época em que a humanidade dividia-se em dois grupos: os Senhores e os escravos. Os Senhores eram aqueles que não trabalhavam, nunca, pois eram donos de todo o seu Tempo de Vida, e donos também de todo o Tempo de Vida dos escravos; estes, por sua vez, não eram donos de nada, nem de si mesmos, e trabalhavam para sustentar a si próprios e aos Senhores.

     Felizmente, a atrocidade que é a escravidão stricto sensu foi (quase) abolida, e hoje o mundo está dividido em dois outros grupos: os que vendem uma parte do seu Tempo de Vida — a quem chamamos empregados —, e os que compram esse tempo — a quem chamamos empregadores.

     Na progressão para um mundo mais justo, em que cada indivíduo destaque-se pelo que é, e não pelo que tem nem por aquilo que herdou, para um mundo em que todo e qualquer indivíduo nasça em igualdade de condições (leia-se oportunidades) aos demais, a tendência é que cada um precise vender cada vez menos tempo de sua vida. Tornar-se senhor de todo o seu tempo, esse é o objetivo almejado.

     E o que o Homem fará quando não mais precisar trabalhar? Viverá ocioso?

     Bem, isso irá depender de cada um, mas viver ocioso e viver o Ócio não é a mesma coisa! Os Senhores da antiguidade viviam o Ócio, ou seja, não gastavam o tempo de sua vida fazendo coisas por obrigação, não eram obrigados a nada. Eles dedicavam-se, porque podiam e queriam, basicamente a duas atividades: a Filosofia e a Política. A Filosofia permitia-lhes entender melhor o mundo e a si mesmos, e através da Política eles estabeleciam a vida em comum. (Então, será que não é pelo fato de que todos somos educados para o trabalho que a Filosofia anda tão desprezada, e a Política virou apenas mais uma forma de ganhar dinheiro?)

     Mas alguém ainda poderia perguntar: "—E se ninguém trabalha, como serão produzidos os bens materiais?". Realmente é difícil imaginar um mundo em que ninguém trabalhe nunca, mas não é impossível. E se o trabalho não pode ser completamente abolido, é certo que pode ser drasticamente reduzido; o caminho para essa redução é a TECNOLOGIA.

     Quando não existia tecnologia alguma, e todos os bens materiais eram produzidos por escravos, o trabalho ocorria em tempo integral; os escravos mal paravam para satisfazer suas necessidades fisiológicas (dormir, comer, etc.); começavam a trabalhar ainda crianças e só paravam ao morrer, geralmente antes dos trinta anos. Posteriormente, durante o período feudal, quando a tecnologia agrícola foi aperfeiçoada e os escravos passaram a ser chamados de servos, a jornada reduziu-se um pouco. Quando surge a burguesia, a classe especializada dos comerciantes, o tempo trabalhado reduziu-se ainda mais. No início da revolução industrial — a grande revolução tecnológica —, a jornada de trabalho durava cerca de dezesseis horas por dia, sem férias nem descanso semanal, mas já então os trabalhadores eram empregados e, como classe trabalhadora (ou proletariado), passaram a organizar-se; através dos sindicatos, reivindicaram e gradualmente conseguiram a redução da jornada para doze horas, depois para oito horas diárias, depois o descanso semanal... Se a tecnologia estivesse a serviço de todos, se fosse um bem público e não um instrumento de lucro para uns poucos, mesmo hoje o Tempo de Vida que cada empregado precisa vender seria bem menor.

     Mas podemos observar que o progresso continua, pois nos países mais desenvolvidos a jornada de trabalho padrão é de seis horas, e a jornada de quatro horas não se limita a quem não pode trabalhar mais. As pessoas ganham mais e produzem mais, trabalhando menos, porque tem a tecnologia a seu favor e porque os empregadores (os chamados "detentores dos meios de produção") possuem uma preocupação social maior do que o seu desejo de lucro.

     Certamente estamos muito, muito longe de nos libertarmos do trabalho. Mas não podemos perder de vista que essa é uma busca tão antiga quanto a própria humanidade, e que, se os nossos antepassados nos legaram um mundo melhor do que aquele no qual viveram, um mundo em que TEMOS TEMPO para fazer aquilo que queremos e achamos certo, então nós podemos e devemos deixar um mundo melhor para os nossos descendentes: um mundo em que eles tenham MAIS TEMPO DE VIDA. 

Um comentário:

Leonardo la Janz disse...

Excelente texto, Manoel!

Foi você quem fez a referida adaptação? E qual seria a fonte do original, se não fosse incomodo.?

Um detalhe... Se você 'acabou' de criar o Blog, como as datas de postagens são lá do mês de Maio!?
Rsrsrsrsrs. Tens que explicar melhor esse truque... :)

O Blog ficou bem bacana pelo pouco que pude ver, cara. Pessoas inteligentes como você tem mais é que expor as suas opiniões mesmo.

Abraço, LJ.