quarta-feira, 22 de agosto de 2018

A Negação do Irreal



“Alguns observadores modernos da outra-mundanidade talvez questionem se, nesse aspecto, o budismo não teria chegado mais perto de revelar a estranha verdade que muitos dos grandes filósofos e teólogos se dedicaram a ensinar: o culto da não existência; embora de uma não existência criada para parecer mais ‘real’ e emocionalmente mais satisfatória graças a uma ênfase em sua liberdade com relação aos defeitos e limitações particulares — a relatividade, os conflitos lógicos internos, a carência de finalidade para o pensamento e o desejo — que caracterizam todos os objetos concretos sobre os quais podemos pensar de maneira absoluta. Para nosso propósito não é necessário tentar responder aqui a essa grande questão. O certo é que tais filósofos sempre acreditaram estar fazendo exatamente o contrário disso.
Mas nenhuma outra-mundanidade, seja integral ou limitada, pode, como pareceria, fazer algo quanto ao fato de que há um “este-mundo” do qual é preciso evadir-se; menos ainda ela pode justificar ou explicar o ser de um tal mundo ou aquilo que ela nega de qualquer característica particular ou aspecto da existência empírica. Seu recurso natural é, portanto, como no Vedanta, recorrer ao expediente do ilusionismo. Mas chamar as características da experiência real de ‘ilusão’, de não-existência vazia, apesar de ser uma espécie de poesia que tem um pathos metafísico bastante potente, é, filosoficamente falando, com franqueza o mais extremo disparate. Essas características podem, de uma maneira concebível, ser ‘irreais’, no sentido em que elas não têm existência ou contrapartidas em ordem objetiva fora da consciência daqueles que as experimentam. Mas falar delas como absolutamente irreais, enquanto se experimenta a existência delas em si mesmo e se presume isso na de outros homens e enquanto se as apontam expressamente como imperfeições a serem transcendidas e males a serem vencidos, é obviamente negar e afirmar a mesma proposição ao mesmo tempo. E uma autocontradição não deixa de ser sem sentido por parecer sublime.”

LOVEJOY, Arthur O. A Grande Cadeia do Ser. São Paulo: Editora Palíndromo, 2005. pp.37-38.   

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