“Alguns
observadores modernos da outra-mundanidade talvez questionem se, nesse aspecto,
o budismo não teria chegado mais perto de revelar a estranha verdade que muitos
dos grandes filósofos e teólogos se dedicaram a ensinar: o culto da não existência;
embora de uma não existência criada para parecer mais ‘real’ e emocionalmente
mais satisfatória graças a uma ênfase em sua liberdade com relação aos defeitos
e limitações particulares — a relatividade, os conflitos lógicos internos, a
carência de finalidade para o pensamento e o desejo — que caracterizam todos os
objetos concretos sobre os quais podemos pensar de maneira absoluta. Para nosso
propósito não é necessário tentar responder aqui a essa grande questão. O certo
é que tais filósofos sempre acreditaram estar fazendo exatamente o contrário
disso.
Mas nenhuma outra-mundanidade,
seja integral ou limitada, pode, como pareceria, fazer algo quanto ao fato de
que há um “este-mundo” do qual é preciso evadir-se; menos ainda ela pode justificar
ou explicar o ser de um tal mundo ou aquilo que ela nega de qualquer característica
particular ou aspecto da existência empírica. Seu recurso natural é, portanto, como
no Vedanta, recorrer ao expediente do ilusionismo. Mas chamar as
características da experiência real de ‘ilusão’, de não-existência vazia,
apesar de ser uma espécie de poesia que tem um pathos metafísico bastante potente, é, filosoficamente falando, com
franqueza o mais extremo disparate. Essas características podem, de uma maneira
concebível, ser ‘irreais’, no sentido em que elas não têm existência ou
contrapartidas em ordem objetiva fora da consciência daqueles que as
experimentam. Mas falar delas como absolutamente irreais, enquanto se
experimenta a existência delas em si mesmo e se presume isso na de outros homens
e enquanto se as apontam expressamente como imperfeições a serem transcendidas e
males a serem vencidos, é obviamente negar e afirmar a mesma proposição ao
mesmo tempo. E uma autocontradição não deixa de ser sem sentido por parecer
sublime.”
LOVEJOY, Arthur O. A Grande Cadeia do Ser. São Paulo: Editora
Palíndromo, 2005. pp.37-38.
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